Arbitragem no Brasil precisa de autorregulação e celeridade, avaliam especialistas

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Especialistas defenderam a capacidade de autorregulação da arbitragem e maior segurança jurídica na relação entre o mecanismo de resolução de conflitos e o Judiciário. Eles se reuniram no seminário “Arcabouço da arbitragem brasileira e instabilidade fundacional”, realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Ao discutir o papel da segurança jurídica como propulsor de investimentos, no primeiro painel do seminário, Alberto Amaral, livre docente em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), avaliou que os pilares centrais são garantir a previsibilidade das expectativas, a estabilidade dos contratos e funcionamento regular do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, de acordo com a Constituição Federal.

“A segurança jurídica decorre da qualidade do sistema jurídico e do sistema democrático, já que ambos os fatores estão intimamente implicados. Existe segurança jurídica para a arbitragem quando as normas constitucionais são respeitadas”, argumentou Amaral. 

Nesse sentido, segundo ele, uma das características fundamentais da arbitragem para resolução dos conflitos é o sigilo. Por isso, a exigência em dar publicidade aos procedimentos – como propõe o projeto de lei (PL) 3293/2021, de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI) – seria equivocada. 

“A ideia de um projeto para divulgar ou dar publicidade aos árbitros como existe hoje me parece altamente inconveniente”, opinou Amaral.

A professora Maria Eugênia Finkelstein, da Faculdade de Direito da PUC-SP, explicou que a arbitragem lida com três pilares muito importantes: a especialidade, o sigilo e a celeridade. Na visão dela, se a arbitragem tem sido cada vez mais escolhida é porque ela dá para o empresário o que ele mais precisa para calcular seus investimentos, que é a segurança jurídica.

Ainda, como destacou a advogada Larissa Teixeira Quattini, especialista em Direito Comercial, a arbitragem tem um papel fundamental para o investidor estrangeiro que desconhece o sistema brasileiro e precisa ter referências. “A arbitragem ganha uma importância maior porque, geralmente, existe uma certa padronização dessas referências internacionais que a maioria das câmaras de arbitragem segue e isso vai trazer essa segurança que o investidor busca”, explicou.

No entanto, Finkelstein afirma que as propostas que têm sido discutidas no Congresso vão num caminho contrário ao resto do mundo: “Eu vejo uma tendência nesses projetos de limitar os poderes do árbitro quando no mundo inteiro se aumenta”. Ela acrescenta ainda que não vê sentido, sobretudo, na proposta de quebra de sigilo dos procedimentos arbitrais. 

“Essas tentativas de mudança da lei de arbitragem que exigem plena publicidade não fazem o mínimo sentido, o segredo faz parte do negócio. Não interessa para ninguém na classe empresária que todo mundo saiba que existe um conflito. Não é bom para a imagem da empresa. Isso gera desconfiança e desconfiança gera insegurança, o que resulta em imprevisibilidade, e quando a gente tem imprevisibilidade temos perda da segurança jurídica”, ressaltou Finkelstein.

As críticas de Daniel Nogueira, árbitro e vice-presidente da Comissão de Arbitragem do Conselho Federal-OAB, foram no mesmo sentido. Ele ainda foi mais enfático ao dizer que a arbitragem está sob um ataque “estruturado, combinado e bem financiado em várias frentes: no poder legislativo, no Supremo Tribunal Federal e na imprensa”. 

Na perspectiva dele, há ainda um problema de celeridade nas arbitragens no Brasil, quando a alternativa extrajudicial deveria garantir justamente menos morosidade do que o Judiciário. 

Segundo o advogado, não é razoável normalizar que um procedimento arbitral dure três, quatro ou até cinco anos. “As partes estão escolhendo pagar esse serviço porque querem fugir da fila que teriam no Poder Judiciário. Se nós perdermos essas vantagens comparativas que nós tanto falamos, de decidir de forma rápida, eficiente, de ter uma análise profunda e uma dedicação àquele caso, a arbitragem perde seu sentido e sua razão de ser”, destacou. De acordo com ele, a comunidade de árbitros teria ainda que refletir sobre esses problemas e encontrar meios para lidar com as falhas. 

A advogada Teixeira Quattini acrescentou que a autorregulação do setor seria o caminho para enfrentar os problemas, em vez de mudanças legislativas. “Não precisamos de um projeto de lei porque isso acabaria engessando novas mudanças”, concluiu ela.

O Judiciário e a arbitragem

A relação entre o Judiciário e a arbitragem foi aprofundada em outro painel do evento. Na avaliação da juíza Andrea Palma, da 2ª Vara Empresarial Regional e de Conflitos Relacionados à Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o desenvolvimento do procedimento arbitral conta com a cooperação da Justiça. 

Atualmente, a intervenção do judiciário tem que ser mínima, excepcional, perfunctória, mas sumária. “Nós não temos compromisso de rever prova ou rever o mérito. Nós simplesmente vamos anular e mandar julgar de novo. Mas não vamos fazer o serviço do árbitro”, pontuou ela.

Assim, o Judiciário atuaria como uma corte subsidiária e complementar a arbitragem, porém é utilizada muitas vezes para “a parte ganhar tempo e não cumprir voluntariamente o que foi decidido” no juízo arbitral.

Contudo, em alguns pontos a harmonia dessa relação ainda suscita discussões. O desembargador Leonardo Beraldo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), afirmou, por exemplo, que a tendência da jurisprudência em dizer que a competência da produção antecipada de provas vai ser da arbitragem causa um certo incômodo.  

“A produção antecipada de provas tem que ficar no Poder Judiciário. Eu acho muito superficial falar que a competência é da arbitragem porque tem cláusula compromissória. Na minha opinião essa cláusula foi pensada para o mérito”, comenta. Segundo ele, as questões de mérito sempre serão decididas na arbitragem. 

O desembargador do TJSP Sergio Shimura comentou que a grande maioria das ações anulatórias contra sentenças arbitrais envolvem o dever de revelação do árbitro. De acordo com ele, não há impedimento do árbitro, o que haveria seria suspensão, com a necessidade de verificar caso a caso. 

“O que eu vejo é que a grande discussão é se o árbitro mantém vínculo próximo com o advogado das partes e ou com a parte. A questão da suspensão do árbitro eu diria, como linha de princípio, que vai depender da proximidade que o árbitro teve ou tem a ponto de ferir sua imparcialidade”, declarou.

Shimura ainda ressalta a necessidade de verificar se a parte não cria uma situação de suspensão. “Por exemplo, eu sou o árbitro e estou tranquilo porque sou imparcial, mas a parte que está suspeitando que vai perder, contrata um advogado que trabalha comigo e isso cria uma situação de suspensão para se eventualmente perder, constituir causa de nulidade”, concluiu. 

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/arbitragem-no-brasil-precisa-de-autorregulacao-e-celeridade-avaliam-especialistas-20092023

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