Nesta quarta-feira, 25 de outubro de 2023, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidirá questão da maior relevância para o país no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos 1.898.532/CE e 1.905.870/PR, que poderá decisivamente afetar o futuro do Sistema S. A Corte decidirá se o limite de 20 salários-mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros, nos termos do artigo 4º, da Lei n. 6.950/1981, com as alterações promovidas em seu texto pelos artigos 1º e 3º do Decreto-Lei n. 2.318/1986.
Não se trata de mais um caso rotineiro de direito tributário, com o potencial de levar a uma possível redução da carga tributária dos contribuintes. Aqui a consequência é outra: a decisão do Tribunal da Cidadania, dependendo da direção que tomar, poderá comprometer o funcionamento de entidades com décadas de relevantes serviços prestados a trabalhadores de todos os setores da economia.
Se for vencedora a tese suscitada por algumas empresas, tais entidades sofrerão um corte de mais de 90% em sua arrecadação. Como resultado, ficará inviabilizado ou, na melhor das hipóteses, seriamente prejudicado o atingimento de seus meritórios fins sociais.
No caso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), eventual vitória da tese dos contribuintes levará ao comprometimento ou, até mesmo, desestruturação completa de seu trabalho de qualificação e formação da força de trabalho em um mundo que se transforma a uma velocidade jamais vista.
Em última análise, colocará em xeque o projeto de desenvolvimento do país, que se funda em uma política industrial focada nos desafios da indústria 4.0, da transformação digital e seus impactos no mercado de trabalho, cujo objetivo último é voltar a inserir o Brasil entre as maiores economias do mundo.
As contribuições destinadas ao Senai e ao Serviço Social da Indústria (Sesi), conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, no histórico julgamento do RE nº 138.284/CE, são classificadas como contribuições sociais gerais e destinadas à manutenção ou ao custeio de atividades relacionadas à ordem social.
Nesse contexto, o Sesi tem como fim institucional promover a qualidade de vida dos trabalhadores e seus dependentes, por meio de ações nas áreas de saúde, educação, cultura, esporte e lazer. Suas atividades são direcionadas para a melhoria das condições de trabalho, a prevenção de acidentes, a promoção da saúde e a disseminação de conhecimentos que contribuem para o desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores da indústria.
Já o Senai promove a educação profissional e tecnológica, desenvolve serviços técnicos e tecnológicos e realiza pesquisas aplicadas à indústria. Seu principal escopo é qualificar e capacitar profissionais para atender às demandas do mercado de trabalho industrial, oferecendo cursos de formação profissional, programas de aprendizagem, serviços técnicos especializados e soluções tecnológicas para as empresas.
Ambas as entidades trabalham em estreita colaboração com as empresas do setor industrial, buscando promover o desenvolvimento sustentável do setor, a inovação tecnológica, a melhoria da produtividade e a valorização dos trabalhadores. Seus esforços visam a fortalecer a competitividade da indústria brasileira, proporcionando melhores condições de trabalho, qualificação profissional e bem-estar aos trabalhadores.
O Superior Tribunal de Justiça terá, portanto, na próxima quarta-feira, o desafio de interpretar textos normativos com mais de quatro décadas de vigência, à luz da Constituição de 1988, sobretudo o de alcançar um resultado prático que melhor atenda ao interesse social. Nesse mister, espera-se que a Corte adote o novo – e louvável – paradigma hermenêutico, inaugurado pela Lei Federal nº 13.655/18, que alterou significativamente a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), ao estabelecer parâmetros de cunho pragmático e consequencialista para a tomada de decisão dos órgãos de controle, nos quais se inclui o Poder Judiciário.
Os números em jogo impressionam. Dados obtidos no portal da transparência do Senai (1), advindos da Solução Integradora do Departamento Nacional da entidade, mostram que, em 2022, foram efetivadas 2.831.069 matrículas em escolas de aprendizagem, 391.776 de ações de educação para o trabalho, 270.185 matrículas de técnico de nível médio e 37.032 de ensino superior. Também em 2022, foram realizados 244.309 serviços de tecnologia e informação, com 29.995 empresas atendidas e 1.967.127 de ensaios laboratoriais.
Quanto ao Sesi (2), em 2022, foram 875.456 matrículas em escolas, 706.316 em cursos, 9.073 em educação infantil, 148.459 em ensino fundamental, 70.682 em ensino médio, 86.868 em Educação para jovens e adultos, 389.355 em educação continuada e 1.879 em ensino superior, com a realização de 169.140 eventos educativos. Quanto a saúde e segurança, o SESI atendeu 57.595 empresas e 2.895.753 de pessoas. 6.056.480 pessoas foram beneficiadas com programas em segurança e saúde, 2.769.159 pessoas atendidas em promoção da saúde. 986.876 vacinas foram aplicadas. Na área da cultura, foram 1.672.156 espectadores, 4.184.782 de consultas a acervos e 426.243 empréstimos de acervos. Foram 290.764 de pessoas atendidas em ações comunitárias.
Como o produto da arrecadação das contribuições do SESI e do SENAI deve ser compulsoriamente aplicado em atividades de cunho social, fica evidente o caráter parafiscal desses tributos, afigurando-se lógico concluir que a limitação da base de cálculo a 20 salários-mínimos inviabilizará a execução das atividades finalísticas dessas entidades.
Convém ressaltar que o art. 240 da vigente Constituição, estabelece, com todas as letras, que a folha de salários constitui a base de cálculo das contribuições destinadas àquelas entidades, sem nenhuma limitação nem remissão a uma norma regulamentadora, donde se conclui que a antiga Lei 6.950/1981, que instituiu o limite de 20 salários-mínimos, não foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
Daí ser possível afirmar que as contribuições ao Senai e ao Sesi estão disciplinadas pela Lei Maior e, mais do que isso, foram por ela reconfirmadas e revalorizadas, não podendo uma interpretação limitadora da lei ordinária condená-las à extinção por uma drástica diminuição de suas receitas.
Reduzir a base de cálculo das contribuições de tais entidades a 20 salários-mínimos significará limitar o acesso da população aos direitos sociais arrolados no art. 6º da Carta Magna. Isso porque levará a extinção de ações e serviços presentemente levados a efeito pelo Sesi e pelo Senai às empresas, a seus empregados e dependentes, sem que sejam substituídos por qualquer outra instituição, em evidente e reprovável violação ao princípio da vedação de retrocesso social, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, tendo como referência o julgamento do ARE 639.337/SP, de relatoria do ministro Celso de Mello.
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Referências:
Ricardo Lewandowski – Professor Titular Sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Fonte: JOTA Infohttps://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/custeio-do-sistema-s-uma-questao-relevante-para-o-pais-24102023
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