Direito autoral como insumo na indústria fonográfica

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Recentemente surgiu uma oportunidade bastante interessante para a indústria fonográfica, consistente na conjugação de dois sólidos acórdãos (do STJ e da CSRF), os quais concluíram no sentido de que é imprescindível a aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras, razão pela qual devem ser reconhecidos como insumos.

A oportunidade consiste, em síntese, no aproveitamento imediato com a geração de créditos para fins de descontar o recolhimento mensal do PIS e da COFINS referente aos recursos pagos na obtenção de licenciamentos de direitos autorais – bem material – para fins de exibição, transmissão, reprodução e/ou industrialização (através de plataformas digitais, CD, DVD e outros). Como decorrência disso, espera-se alcançar imediata redução dos valores atualmente recolhidos a título de PIS e COFINS, ou seja, quanto maior o pagamento de direitos autorais, maior o desconto em questão.

Os contribuintes que potencialmente podem buscar essa oportunidade em juízo são aquelas empresas da indústria fonográfica que sejam tributadas no regime de apuração do PIS e da COFINS não cumulativo, conforme dispõem as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, geralmente tributadas sob o regime de apuração do IRPJ do lucro real.

Cabe lembrar que, antes, o permissivo legal contido no art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.637/02 e da Lei nº 10.833/03, o qual autoriza a apropriação de créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda, acabou por gerar enorme insegurança, na medida em que se firmaram três diferentes posições sobre o tema, a saber:

a) uma restritiva, consagrada pela RFB com a edição da IN 247/02 e da IN 404/04, pela qual a noção se aproximaria daquela definida pela legislação do IPI (cf. art. 226 do RIPI), ou seja, seria insumo aquilo que é consumido no processo produtivo, que é integrado ao novo produto ou que se desgasta no processo produtivo, isto é, os insumos utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda seriam as matérias primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações – como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas –, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado (cf. arts. 66 e 8º, respectivamente);

b) mais ampliativa, pretendida pelos contribuintes, defendida por Ricardo Mariz de Oliveira, com base na aproximação do conceito de insumo à definição da legislação do IRPJ (arts. 290 e 299, ambos do RIR/99), considerando todo e qualquer custo da empresa com o consumo de bens ou serviços integrantes do processo de fabricação ou da prestação de serviços como um todo; e

c) uma intermediária, que vinha sendo esboçada primeiro no âmbito do CARF e na sequência também do STJ, pela qual insumo seria aquilo essencial à produção do bem ou prestação do serviço, sem o qual não seria possível fazê-lo ou haveria prejuízo ao resultado, onde a pedra de toque seria o critério da essencialidade, que estabelece a relação entre o bem ou o serviço e a atividade desempenhada pela empresa.

Posta a discussão prévia nestes termos, recentemente a Primeira Seção do STJ finalmente consagrou a sua posição (intermediária), consoante a seguinte ementa abaixo transcrita:

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, SOB O RITO DO ART. 543-c DO CPC/1973 (ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015).

1. Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3º, II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo.

2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

3. Recurso especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos relativos a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI.

4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte”.1

Uma vez alcançada a definição final com o entendimento agora pacificado do STJ pela posição intermediária, disso decorre necessariamente que casuisticamente (isto é, caso a caso) seja analisado se o bem ou item que está em jogo se cuida efetivamente de insumo ou não, especialmente considerando o objeto social da empresa, suas principais atividades, e a sua relação de imprescindibilidade ou importância à luz dos critérios da essencialidade ou relevância.

Como soa até intuitivo, não se trata de indagação que comporta uma única resposta correta, e muito menos que seja generalizável ao universo amplo de contribuintes. Disso resulta que há diferentes variáveis que sempre devem ser levadas em conta, como a atividade desempenhada pela empresa e a importância de determinado bem ou item em questão para o desempenho de tal atividade.

Precisamente nesse ponto, especificamente cuidando-se da indústria fonográfica, recentemente a Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, órgão integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, por sua vez, órgão integrante do Ministério da Fazenda, decidiu (à unanimidade) que pela peculiaridade da atividade econômica que exerce, são imprescindíveis à indústria fonográfica a aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras, razão pela qual devem ser reconhecidos como insumos.

Nesse sentido, eis o teor da ementa do acórdão abaixo transcrita:

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

Ano-calendário: 2008.

COFINS. REGIME DA NÃO-CUMULATIVIDADE. CONCEITO DE INSUMOS.

O conceito de insumos para efeitos do art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.637/2002 e do art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.833/2003, deve ser interpretado com critério próprio: o da essencialidade. Referido critério traduz uma posição ‘intermediária’, na qual, para definir insumos, busca-se a relação existente entre o bem ou serviço, utilizado como insumo e a atividade realizada pelo Contribuinte.

Não é diferente a posição predominante no Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece, para a definição do conceito de insumo, critério, amplo/próprio em função da receita, a partir da análise da pertinência, relevância e essencialidade ao processo produtivo ou à prestação de serviço.

INDÚSTRIA FONOGRÁFICA. INSUMOS. DIREITOS AUTORAIS.

Pela peculiaridade da atividade econômica que exerce, são imprescindíveis à indústria fonográfica a aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras, razão pela qual devem ser reconhecidos como insumos”.2

Constou no trecho final do voto da relatora, acompanhado à unanimidade: “Depreende-se que a Contribuinte é indústria fonográfica e depende diretamente da aquisição dos direitos autorais para obter o seu faturamento, razão pela qual tais rubricas caracterizam-se como itens essenciais ao processo produtivo”.3

Com isso, o CARF, que lá atrás tinha uma orientação de vanguarda no sentido da posição intermediária, agora a retoma com lastro no precedente exarado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, inclusive observando situações peculiares de cada segmento industrial. Como resultado, caminha-se rumo a maior segurança jurídica.

Verifica-se, por conseguinte, uma oportunidade concreta e com robusta possibilidade de êxito junto ao Poder Judiciário, no sentido de garantir o imediato aproveitamento da tomada de tais créditos, bem como buscar a recuperação daqueles não aproveitados no período dos últimos cinco anos.

Diante desse cenário, é recomendável o imediato exame interno do valor econômico envolvido por cada empresa potencialmente interessada que integre a indústria em foco, com o levantamento dos pagamentos de licenciamentos para utilização de obras autorais na atividade que desempenha, bem como buscar desde logo identificar se eles atendem aos critérios da essencialidade ou relevância para integrarem-se no conceito de insumo acima delineado, recentemente pacificado tanto pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça como também pelo CARF. Com a resposta positiva a tais pontos, em seguida deve ser definida cuidadosa estratégia para o ajuizamento da medida judicial cabível, que deve objetivar tanto o possível aproveitamento imediato mediante cômputo dos créditos relacionados ao pagamento de tais bens e itens, como também a recuperação dos créditos não aproveitados, se possível.

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Fonte: JOTA Info

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