Empresas estatais: a cada novo governo, dúvidas renovadas

Lei das Estatais
Crédito: André Motta de Souza/Agência Petrobras

Toda troca de governo faz surgir inúmeras dúvidas relacionadas às empresas estatais. Cada grupo político que assume a gestão do país, dos estados ou dos municípios, e novo agente que passa a ocupar um cargo público, tem sua própria percepção sobre o papel dessas empresas e o alcance da interferência do Poder Executivo na sua gestão e no estabelecimento de metas.

Assim é que, num ciclo quadrienal, reaparecem temas relacionados à gestão dessas entidades da administração pública indireta, por vezes responsáveis por parte relevante do orçamento destinado às políticas públicas. Tal debate, registre-se, independe de haver troca brusca de partido político: basta que se alterem pessoas no governo para que discussões voltem à tona.

Algumas são dúvidas corriqueiras, ligadas à operação habitual da empresa: Aplica-se o teto constitucional aos salários dos empregados das estatais? Qual o instrumento para transferir recursos do Tesouro público para a estatal para a execução de política pública? A transferência de recursos para a empresa, que não seja para aumento do capital social, é uma operação de crédito, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal? Posso aplicar imunidade fiscal à estatal? O pagamento de dívidas é feito por precatório? Posso dispensar empregado sem justa causa? Posso afastar os ocupantes de cargo em comissão para atuar junto ao Poder Executivo?

Outras perguntas entram numa categoria especial, mais ligada ao uso da empresa para fins de execução de políticas públicas legítimas e, em alguns casos, de composição de interesses político-partidários[1] que visam assegurar a governabilidade junto ao Poder Legislativo e o cumprimento de promessas de campanha: Quais são os requisitos para indicar membros aos conselhos fiscal e de administração? Há limites para acumulação de cargos? Quais assuntos podem ser decididos pelo ministério que exerce a supervisão da empresa? Qual o limite de interferência dos preços praticados pelas estatais?

A correta orientação jurídica nem sempre é fácil, uma vez que até hoje pairam discussões perante as cortes superiores sobre determinados assuntos sem que haja claro e inequívoco comando jurisprudencial, como a questão da imunidade tributária e temas ligados aos empregados dessas estatais.

Com o objetivo de dar resposta a várias dessas dúvidas, foi elaborada a obra Empresas estatais – Regime jurídico e experiência prática na vigência da Lei 13.303/2016”[2]. A Lei 13.303/2016, a chamada Lei das Estatais, veio trazer instrumentos de governança, mecanismos de controle e obrigações aos gestores de tais empresas, que já se faziam necessários desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nos últimos anos, a temática ganhou não só especial relevância jurídica, especialmente depois da EC 19/1998, que introduziu expressa referência ao estatuto jurídico da empresa estatal no § 6º do artigo 173 da CF, como também se tornou objeto de atenção da sociedade em geral, quando certas práticas ilegais, a exemplo das expostas na Operação Lava Jato, vieram ao conhecimento público.

É importante notar, porém, que, mesmo na ausência de ilicitude, fato é que boa parte das estatais havia se transformado em máquinas tão burocráticas quanto a própria administração direta, sem compromisso com eficiência e resultados. Cinco anos de aplicação da lei já permitiram que se evoluísse nesse campo, havendo relatos[3] de que “o desempenho positivo das empresas controladas pelo Estado está ligado a um contexto mais favorável, de superação da crise em 2015 e 2016, mas também de consequências positivas da chamada Lei das Estatais”. Essa reportagem indica os resultados positivos por mais de três anos das seis principais estatais do Brasil[4].

A atualidade do tema se renova com as recentes tentativas de alteração da Lei 13.303/2016. Algumas retrocedem justamente em aspectos como a da barganha de cargos para o preenchimento de conselhos e o uso de recursos da empresa estatal para fins publicitários, o que, no passado, já se demonstrou não recomendável[5]. Caminha nesse sentido o PL 2896/2022, de autoria da então deputada federal Celina Leão (PP-DF) e proposto no último 30 de novembro, que tramitou em regime de urgência e já foi aprovado em sessão plenária da Câmara dos Deputados em 13 de dezembro, agora aguardando apreciação pelo Senado Federal. O momento é, portanto, propício para ter em pauta as citadas questões, essenciais para a eficiência, a transparência e a gestão democrática das empresas estatais e da administração pública como um todo.

A obra recém-lançada foi elaborada pensando nesse contexto e, considerando a estrutura da lei, dividida em três eixos: governança da empresa estatal, estratégias e contratos da empresa estatal e questões extravagantes. Busca analisar a legislação partindo do ponto de vista teórico, mas sempre com um olhar de aplicação prática e de enfrentamento daqueles problemas, acima mencionados, que atormentam os governantes e a sociedade.

Como uma das coordenadoras da obra, convido os que atuam no setor à sua leitura! O lançamento será no auditório da FGV Direito SP, no próximo dia 8 de fevereiro, às 18h30.


[1] É a chamada barganha. Veja-se reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, ed. de 01.02.2023, p. A7, com o título “Planalto espera definição no Legislativo para destravar cargos de 2º e 3º escalões”, do qual consta: “Na lista de cargos que o Planalto guardou para entregar às forças vitoriosas da eleição do Congresso estão a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), conhecida como “estatal do Centrão”, que terá o orçamento de R$ 2,2 bilhões para 2023”.

[2] A obra faz parte da Coleção FGV Direito SP e foi coordenada por Bruno Lopes Megna, Cristina M. Wagner Mastrobuono e Mário Engler Pinto Júnior, publicado por Almedina, São Paulo, SP.

[3] Reportagem da CNN Brasil, de 22.07.2022: https://www.cnnbrasil.com.br/business/lei-das-estatais-ajudou-setor-a-ter-resultados-positivos-afirmam-especialistas/#:~:text=Conforme%20a%20economia%20se%20recuperou,crise%2C%20como%202015%20e%202020. Acesso em 01.02.2023

[4] Banco do Brasil, Correios, Petrobras, Caixa Econômica Federal, BNDES e Eletrobras.

[5] Conforme afirma Tasso Jereissati, Senador da República até 2022: “O problema grande está também na liberação do limite de publicidade das estatais, historicamente fonte de desvio de recursos”. Em https://www.poder360.com.br/governo/mudar-lei-das-estatais-daria-a-lula-r-20-bi-para-publicidade/ acesso em 01.02.2023.

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/empresas-estatais-a-cada-novo-governo-duvidas-renovadas-03022023

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