Pode-se dizer que o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS), é a principal fonte de receitas dos Estados brasileiros, por ser um imposto estadual e de Poder Executivo, onde o objetivo principal é a atração de investimentos para os seus territórios.
O Brasil possui um sistema tributário caracterizado por regressividade, má distribuição da carga, baixo retorno social, baixo estímulo a investimentos, entre outros vícios que tornam a tributação injusta (Malheiros, 2002, p. 17-18).
Um dos problemas graves desse contexto é a Guerra Fiscal existente entre os Estados relativamente ao ICMS, que a cada dia, a inércia dos responsáveis, em relação a este conflito, vem a causar, cada vez mais prejuízos a população brasileira.
As causas do conflito são diversas, desde questões que envolvem o próprio perfil do ICMS, problemas decorrentes da desigualdade econômica e social entre as diferentes regiões do país, discrepâncias na legislação, até a dificuldade de consenso para aprovação de um acordo político. A Guerra Fiscal é caracterizada pela burla, por parte de determinados Estados, ao sistema legal previsto para a concessão de incentivos fiscais relativamente ao referido imposto.
Pode-se conceituar “incentivo fiscal” como a isenção ou qualquer vantagem de cunho fiscal concedida pelo Estado para estimular ou desestimular comportamentos na ordem econômica por intermédio do tributo (Hugo de Brito Machado e Schuber de Faria Machado, 2015, p. 201).
Sendo assim, este artigo buscará averiguar um dos temas que vem sendo fortemente debatidos para manutenção de um estado de competição fiscal ilícita praticada entre os Estados brasileiros: a necessidade de unanimidade entre os Estados para a obtenção de autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) para fins de concessão de incentivos fiscais.
No tópico a que se refere a guerra fiscal, será abordado a problemática e os motivos que levam ao desencadeamento desta prática entre os entes da Federação, o impasse jurídico existente a as ações impetradas no Supremo Tribunal Federal para decidir sobre a matéria.
Posteriormente falaremos a respeito dos poderes concedidos ao Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, para deliberar a respeito dos benefícios fiscais do ICMS, concedidos pelas Unidades Federativas, condições e exigências necessárias, acobertadas pela Lei Complementar 24/75, a unanimidade exigida por esta norma, é um dos motivos de tamanha discursão sobre o beneficiamento deste tributo.
Em seguida, será demonstrada a proposta de Súmula vinculante de nº 69, apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, que objetiva a pacificação desta matéria, que tem rendido grandes embates entres os Estados, seus efeitos e a construção de um entendimento que sintetizem esta divergência pela Corte sobre matéria constitucional, aclarando o direito na aplicação das operações jurídicas subsequentes, refletindo nas decisões das demais esferas judiciais e administrativas.
Em regras gerais, ao analisar o modelo atual de concessão de benefícios fiscais entre as unidades da federação, verificar se a sensibilidade de atribuir aos Estados a atribuição para decidir sobre esta temática, levando em consideração apenas a aprovação unanime pelos demais entes, e não se pautar pela abrangência maior, que é os impactos sociais e econômicos na vida do cidadão.
Especificamente cabe ressaltar a relevância do tema, no âmbito da economia brasileira, cada vez mais competitiva e globalizada, a fim de discutir, principalmente uma nova ordem tributária para o ICMS, permitindo sim, benefícios fiscais, de forma planejada, consistente, onde não só os Estados tenham vantagens, mas principalmente o contribuinte possa ter acesso ao consumo com uma carga menor deste imposto.
Diante do exposto, justifica sim, o debate acirrado para a solução do conflito, pois a guerra fiscal resulta, em perda de arrecadação e acima de tudo afeta o federalismo cooperado que tentou se instituir no Brasil. Por oportuno, destaque-se ainda que o Brasil é o único país no mundo que o imposto de maior arrecadação é de competência dos Estados e não do Governo Federal, existindo, por consequência, 27 legislações estaduais sobre o ICMS que tenham que operar de forma harmônica e sem prejuízos aos demais Estados.
O Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação – ICMS é um tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, incidente sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (artigo 155, II, da Constituição Federal).
A receita fundamental dos Estados-Membros, a partir de 1936, quando entrou em execução, no particular, a discriminação de rendas da CF de 1934, foi o imposto de vendas e consignações. Posteriormente, a partir da Comissão de Reforma à Constituição que redundou na Emenda Constitucional 18, de 1965, o atual ICMS começou a tomar forma sob a denominação de ICM, mas ainda permanecia bastante próximo do imposto sobre o consumo (BALEEIRO, 2010, p. 367).
A ideia da reforma de 1965 era distinguir as competências tributárias em três categorias econômicas distintas, os impostos incidentes sobre comércio exterior, patrimônio e renda, produção e circulação. (BONILHA, 1979, p. 76-77).
Atualmente, de acordo com a Constituição de 1988, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ICMS que incidirá sobre as operações de circulação de mercadorias e de prestação de serviços específicos de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicações. Incidirá, ainda, sobre produção, importação, circulação, distribuição e consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica e sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais (CARRAZZA, 2011, p. 37).
Destaque-se que não há competência constitucional atribuída aos Estados para a tributação da mercadoria em si ou da mera prestação de serviços de transporte ou comunicações. A tributação recai sobre a operação de circulação de mercadorias ou da operação de prestação daqueles serviços especificados na Carta Maior.
Em complemento à operação, a incidência do ICMS não prescinde da existência de circulação no caso de mercadorias. A circulação caracteriza-se pela transferência de uma mercadoria de uma pessoa para outra sob um título jurídico. Não basta, assim, a circulação meramente econômica ou física, tal como o simples deslocamento de uma mercadoria entre dois estabelecimentos do mesmo contribuinte (Súmula 166/STJ).
Além disso, o ICMS é um imposto do tipo não cumulativo, “compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado (MELO, 1998, p. 171-172).
Nesse sentido, José Eduardo Soares de Melo (1998, p. 171-172), assenta que a não cumulatividade consubstancia imperativo constitucional direcionado ao contribuinte e ao Estado. Tem origem na evolução cultural, social, econômica e jurídica da sociedade, de sorte que sua previsão no texto constitucional visa à satisfação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, do não confisco, da valorização do trabalho, da existência digna e da justiça social e do respeito aos direitos do consumidor.
A não cumulatividade prevista pela Constituição buscaria minimizar o impacto do tributo sobre o consumidor final, de sorte a manter o preço final dos produtos vinculados à realidade. A supressão da não cumulatividade e a consequente incidência em cascata de tributos produziriam um aumento artificial nos preços dos produtos e, portanto, do custo de vida da população. As alíquotas externas (destinação ao exterior ou a outro Estado) são determinadas por resolução do Senado Federal (art. 155, § 2º, IV, da CF).
Outra característica relevante do ICMS, reside no fato de que, em operações interestaduais, o produto de sua arrecadação é partilhado entre os Estados de origem e destino, conforme o disposto no art. 155, §2º, VII e VIII da Constituição Federal.
Esse conjunto de particularidades deste imposto revela que a concessão de incentivos fiscais por um Estado da Federação pode afetar economicamente outros entes da federativos, no que decorre a denominada “Guerra Fiscal” entre os Estados, adiante analisada.
A sede pela arrecadação do ICMS, faz com que os Estados, crie ambientes atrativos ao empresariado com objetivo de geração de emprego e renda, se torna ainda mais exacerbada, diante das restrições orçamentárias e a dificuldade (política e econômica) do estabelecimento de um plano de cooperação articulado pelo governo central.
Um dos problemas que evidencia a guerra fiscal é a própria forma como são tomadas as decisões para normatizar os pormenores deste tributo, onde o Constituinte delegou esta missão aos entes regionais, não podemos desprezar as questões de cunho político que tenha como objetivo a busca pelo desenvolvimento regional, com regras claras, certamente propiciaria cenários de desenvolvimentos mais sustentáveis sob a ótica da arrecadação do ICMS, vejamos o que diz VERSANO (1996, p. 9):
É, certamente, aceitável, em face da dinâmica do desenvolvimento, que se incluam entre os objetivos da política industrial a desconcentração da produção e o desenvolvimento regional e que se utilizem recursos públicos com essa finalidade. Tais objetivos, no entanto, são necessariamente nacionais e, por isso, devem ser perseguidos sob a coordenação do governo central. Quando, por meio da guerra fiscal, estados tentam assumir esse encargo, o resultado tende a ser desastroso. Primeiro, os vencedores das guerras fiscais são, em geral, os estados de maior capacidade financeira, que vêm a ser os mais desenvolvidos, com maiores mercados e melhor infra-estrutura. Segundo, ao renunciar à arrecadação, o estado está abrindo mão ou da provisão de serviços (educação, saúde, a própria infraestrutura, etc.) que são insumos do processo produtivo, ou do equilíbrio fiscal, gerando instabilidade macroeconômica.
A questão econômica tem a sua devida importância, mas não pode perder de vista a conexão entre esses dois ramos das ciências sociais aplicadas; economia e direito, para entender a complexidade das relações que envolvem a tributação.
Resta claro, que tal atribuição, não deveria ser repassada aos entes federativos para decidir sobre incentivos econômicos com tamanho impacto na arrecadação dos Estados e da União, devendo sim, ser coordenada pelo governo central, com modulações particularizadas a cada Unidade da Federação.
Em acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI nº 2345-SC, de 30 de junho de 2011, a Corte decidiu – assim como em outros tantos julgados – sobre a inconstitucionalidade de benefícios ilegais dados por Estados, sobretudo por conta da falta de lastro, diante da ausência de celebração pretérita de convênio no âmbito do CONFAZ. Disse o Pleno, com relatoria do Ministro Cesar Peluso:
Ementa: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 11.393/2000, do Estado de Santa Catarina. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Cancelamento de notificações fiscais e devolução dos correspondentes valores recolhidos ao erário. Concessão. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos art. 150 § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estadomembro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ. (2011, p. 1)
Percebe-se na decisão da Suprema Corte, que a simples celebração de convênio no âmbito do CONFAZ, seria ato legal para a regularização dos benefícios, fugindo sim de uma discursão mais aprofundada, tendo como enfoque o desenvolvimento regional e nacional de forma equilibrada e que possa transmitir uma maior segurança jurídica nas operações empresariais.
Baseada na política incentivadora voltada para o ICMS, especialmente isenções, redução da base de cálculo e de concessão de crédito presumido do imposto, os Estados buscam atrair novos investimentos, ou até mesmo atrair empresas estabelecidas em outras unidades federadas.
O conceito de guerra fiscal seria exatamente esta generalização competitiva entre os entes subnacionais pela alocação de investimentos privados por meio da concessão de benefícios e de renúncia fiscal. O conflito acontece, ressalta o autor, em decorrência de estratégias não cooperativas dos entes da Federação e pela ausência de coordenação e composição dos interesses do governo central (José Maurício Conti 2004, p. 203).
Salienta que tal comportamento decorre, entre outros fatores, de um dilema federativo histórico, qual seja: a omissão do Governo Federal em implantar uma política nacional de desenvolvimento regional de forma planejada, estruturada e bem articulada com os demais entes da Federação (Gilberto Bercovici 2004, p. 95-96).
Aliado a tudo isso, é importante salientar que essa disputa ocorre à revelia da lei, e deriva, inclusive, de falhas de atuação do direito brasileiro. Para Fábio Roberto Corrêa Castilho (2012, p.86), “Seu caráter ilegal não é um acessório na análise, mas fator determinante de sua avaliação como fenômeno negativo e exemplo nocivo de competição fiscal”.
Observa-se, assim, que a falta de uma política séria de concessão de incentivos fiscais, vem a desencadear a guerra fiscal entre as unidades da federação, pois apesar de ser um tema sensível não dá mais, para adiar este debate em busca da solução para o conflito.
Destarte, após apresentar o panorama relativo à guerra fiscal nos Estados, passaremos a averiguar os poderes atribuídos ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e seus aspectos constitucionais.
Os superpoderes delegados ao Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, sem sombra de dúvidas, é um dos fatores que vem a contribuir com a Guerra Fiscal de ICMS. Com efeito, para evitar que um Estado pudesse atingir indevidamente a economia de outro por meio do ICMS, em 1975 foi editada a Lei Complementar 24, segundo a qual, conforme visto, qualquer incentivo fiscal somente será concedido ou revogado se houver a celebração de convênio ratificado pelos demais Estados da Federação.
Pois bem, percebe-se que a ferramenta que o Estado brasileiro utilizou para controlar a concessão de incentivos fiscais entre as unidades federativas, foi exigir que tal decisão se desse de forma unânime entre os Estados representados, artifício este, não atender mais o mercado competitivo em que está inserida a economia brasileira, vejamos o que prescreve o art. 1º, § 2º, da LC 24/75.
A concessão e a revogação de quaisquer benefícios fiscais de natureza tributária ou financeira, concedidos com base no ICMS, e em que haja redução ou eliminação direta ou indireta da carga fiscal, só poderá ser firmado nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, dependendo ainda de decisão unânime dos Estados representados.
Em vez da exigência de tamanha ferramenta ditatorial (decisão unânime dos Estados representados), medidas mais eficientes e discursões de acordo com o panorama econômico brasileiro, ´é sem dúvida, o caminho para a solução do conflito existente, que afeta a saúde da economia das unidades da federação.
Aqui, há que se fazer uma ressalva, visto que, segundo o art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88, a necessidade de convênio prévio limitou-se apenas às hipóteses de isenções, incentivos e benefícios fiscais, ou seja, o texto constitucional não incluiu neste rol os incentivos financeiros.
Além disso, o art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88, em nenhum momento faz menção à necessidade de exigência de concordância unânime de todos os Estados para aprovação de todo e qualquer tipo de incentivos fiscais. Nesse sentido, entende-se que a LC nº 24/75, ao exigir unanimidade para aprovação de incentivos fiscais do ICMS, estaria em desacordo com consagrados princípios constitucionais, tais como o democrático, o federativo e o da proporcionalidade.
Portanto, em que pese a referida Lei Complementar devesse ter sua vigência temporária, ela até hoje não foi revogada e continua em pleno efeito. O que se busca então é averiguar sua compatibilidade com a nova ordem constitucional, isto é, sua constitucionalidade material perante a CF/88. Quanto aos convênios, Roque Carrazza (2011, p.37) salienta que estes são “verdadeiros acordos, ajustes, programas a serem desenvolvidos pelas unidades federativas”.
Quer dizer, nesta fase não há participação do Legislativo, mas tão somente do Poder Executivo. Segundo o art. 2º do Convênio ICMS n º 133/97, tais acordos são firmados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, órgão composto por representantes de cada Estado e do Distrito Federal, e por um representante do Governo Federal, todos indicados pelos seus respectivos Executivos.
Nesse sentido é o disposto na exposição de motivos da supracitada LC 24/75, segundo a qual “tal mecanismo permite que as isenções concedidas por um Estado e que estejam prejudicando os demais, venham a ser revogadas, independente do acordo deste Estado”.
Além disso, o art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88, em nenhum momento faz menção à necessidade de exigência de concordância unânime de todos os Estados para aprovação de todo e qualquer tipo de incentivos fiscais. Nesse sentido, entendemos que a LC nº 24/75, ao exigir unanimidade para aprovação de incentivos fiscais do ICMS, estaria em desacordo com consagrados princípios constitucionais, tais como o democrático, o federativo e o da proporcionalidade.
É certo que a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento segundo o qual a regulação de isenção do ICMS há de ser feita nos moldes estabelecidos na LC 24/75. Ocorre que o referido diploma legal fora editado para regular concessões de isenções, incentivos e benefícios fiscais na vigência do revogado ICM, tributo este que não possuía as mesmas características do novo ICMS.
Portanto, a lei complementar em análise haveria de ter vigência temporária nos moldes do § 8° do art. 34 do ADCT e, tal como o Decreto-Lei n° 406/68, prestar-se-ia à regulação de concessões de isenções, incentivos e benefícios fiscais e à composição de eventuais conflitos que porventura viessem a surgir somente no período que se seguiu à promulgação da CF/88, fato que, infelizmente, não ocorreu.
Observa-se, que o objetivo do texto constitucional foi descentralizar o exercício da competência exonerativa de forma colegiada, mantendo a configuração do perfil nacional do ICMS, preservando o equilíbrio federativo e a autonomia dos Estados. Entretanto, como já demonstrado, em decorrência da falta de atuação do governo central, de políticas nacionais de desenvolvimento planejado das diferentes regiões brasileiras, assim como de falhas jurídicas na regulamentação da matéria, os entes federativos têm concedido incentivos fiscais em total desobediência à ordem constitucional.
Desde 2009 está em tramitação no STF uma ação judicial de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 198), com pedido de liminar, de iniciativa do governador do Distrito Federal, na qual se questionam o art. 2º, §2º, e o art. 4º da LC nº 24/75, por violação ao art. 1º da CF/88.
Argumenta-se também na petição inicial que a necessidade de aprovação unânime do CONFAZ violaria, em alguns casos, o disposto no art. 3º, III, da Carta Magna, pois, ao estabelecer que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, a Constituição Federal emprega verbo de ação em seu texto, e tem o intuito de dirigir, de nortear a atuação dos governantes.
Nesse sentido, não se pode entender que qualquer incentivo do ICMS, que se molde a essa finalidade, seria considerado inconstitucional, devendo sim, os Estados aprofundar as discursões a respeito desta temática, com objetivo de se chegar a um acordo de convergência e não apenas deixar a rigidez da unanimidade ditar as regras do jogo.
Portanto, vê-se que o controle da guerra fiscal do ICMS via ADPF também não tem surtido efeitos práticos no controle da guerra fiscal, sobretudo em virtude da lentidão judicial na análise do mérito da ADPF 198, assim como pela falta de interesse em decidir definitivamente questões essenciais que poderiam influenciar positivamente na resolução do problema da guerra fiscal.
Diante deste quadro insustentável de crise federativa, e reconhecendo que algo mais deve ser feito para resolver a questão da ADPF 198, o STF resolveu publicar a proposta de súmula vinculante nº 69, com a finalidade de resolver, definitivamente, o problema da guerra fiscal do ICMS. É o que será discutido em seguida.
Em função desses pressupostos teóricos e jurisprudenciais relacionados aos efeitos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade, cumpre verificar quais seriam os possíveis efeitos da aprovação da proposta de Súmula Vinculante 69 e, na sequência, se seria adequado modulá-los em alguma medida.
Em relação ao Poder Legislativo, a aprovação da mencionada Súmula possivelmente não impedirá o Legislativo dos Estados de continuarem editando novos benefícios inconstitucionais, pois a obrigatoriedade da Súmula não necessariamente os alcança, embora o tema não seja pacífico na doutrina (MIRANDA, 2013, p. 484).
Isso porque não há previsão legal de vinculação do poder legislativo às súmulas vinculantes e o STF não tem conhecido de Reclamações aviadas em face do Poder Legislativo (Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 31/08/2007).
Segundo Misabel Derzi (RDT n. 121, 2013), “do ponto de vista jurídico, claro que uma súmula vinculante facilita reclamações por parte dos Estados, em um processo muito mais rápido, diretamente ao STF, se houver novo procedimento inconstitucional por parte do outro Estado concedente do benefício, de forma irregular”.
Semelhantemente, Fernando Scaff (2014, p.101) aponta:
a aprovação dessa Súmula Vinculante pelo STF tornará a questão ainda mais complexa, com a introdução de uma decisão que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Certamente aumentará exponencialmente o número de reclamações perante o STF (art. 103-A, parágrafo 3º, da CF).
Igualmente, Brandão Junior (2014, p. 233-234) afirma que a aprovação da PSV 69 “poderá configurar, quando muito, um instrumento para dar celeridade ao provimento judicial em cumprimento do disposto no art. 5º, LXXVIII, CF/88.
No momento atual, a súmula vinculante é direito constitucional positivo, cuja lei reguladora vige, e está sendo plenamente aplicada pelo STF; ou seja, mais proveitoso, a partir de agora, é averiguar as dificuldades enfrentadas na sua operacionalização, assim como investigar seus efeitos na aplicação nos diferentes casos jurídicos.
De acordo como André Ramos Tavares (2007, p. 20), a súmula vinculante deve ser reconhecida como possibilidade de construção, por parte do STF, de enunciados que sintetizem o entendimento já consolidado na Corte sobre matéria constitucional, aclarando a aplicação do direito nas operações judiciais subsequentes, e sendo o entendimento adotado pelas demais esferas judiciais e pela Administração Pública.
Ao que parece, é este o sentido do texto constante no art. 103-A, caput, da Carta Magna, vejamos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
O STF resolverá o problema da guerra fiscal entre os Estados com a simples edição de uma súmula vinculante? Dizendo o que pode e o que não pode ser feito em relação aos incentivos fiscais? Tema de tamanha relevância, deveria sim, ser discutido no âmbito do Congresso Nacional, de forma que, comtemplasse uma solução para que todos os Estados fossem beneficiados de uma forma sistêmica de convergência.
Por tanto, neste liame, parece ser muito mais complexa esta discursão do que se imagina, devendo sim, ser debatido, entre os três poderes da república, pois com este amadurecimento, chegando a um denominador comum, não resta dúvida, que os maiores beneficiários, será a população.
A edição da súmula, segundo Erik Navarro Wolkart (2012, p. 293), “[…] é o termo final de um longo processo de amadurecimento e refinamento da jurisprudência, sempre voltado à análise dos múltiplos casos concretos sobre determinado tema, que ocuparam, por muito tempo, os canais do Poder Judiciário.
Tucci (2004, p. 281) acrescenta ainda que a súmula vinculante foi “[…] concebida como mecanismo de aceleração dos julgamentos, em decorrência do óbice à reprodução de demandas fulcradas em teses jurídicas já pacificadas na jurisprudência dominante”.
Quer dizer, não se deve compreender que a súmula vinculante seja o entendimento correto em qualquer momento histórico ou que possa ser aplicada a qualquer caso jurídico, sob pena de causar injustiças e de impedir a evolução do direito.
Das linhas traçadas anteriormente, infere-se que o STF, assoberbado de processos que tratam da guerra fiscal, e em razão da existência de tese firmada sobre a necessidade de convênios no âmbito do CONFAZ para concessão de incentivos fiscais do ICMS, resolveu publicar edital de proposta de súmula vinculante nº 69, cujo verbete estabelece o seguinte:
Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.
Embora o teor do verbete acima ilustre a tese jurisprudencial dominante na Corte, e a nítida tentativa de acabar com a guerra fiscal, há uma série de ponderações a serem apreciadas, sobretudo se for levado em consideração que, caso o texto seja aprovado da forma que foi apresentado, os efeitos da súmula serão vinculantes em relação às demais esferas do Poder Judiciário e à Administração Pública, assim como poderão acarretar problemas processuais, econômicos e sociais diversos.
Inicialmente, observa-se que na redação da proposta da súmula vinculante nº 69, PSV 69, o STF, mais uma vez, lança apenas uma ótica sobre o problema da guerra fiscal. O texto afirma peremptoriamente que qualquer incentivo fiscal do ICMS, sem aprovação unânime no CONFAZ, é inconstitucional.
Registre-se, contudo, que não se podem considerar, de plano, todas as isenções e incentivos fiscais de ICMS inconstitucionais por falta de convênio, como quer sugerir o texto da proposta apresentada. O próprio STF, no julgamento da ADIn 3.421/PR, afastou a inconstitucionalidade de uma lei estadual do Paraná que concedeu, sem aprovação de convênio, isenção de ICMS a igrejas e templos de qualquer crença nas contas de serviços públicos de água, luz, telefone e gás. Segundo o relator, não há proibição de se introduzir benefício fiscal sem convênio quando não houver competição fiscal entre os entes federativos, como ocorreu no caso discutido nos autos.
Nesse sentido, verifica-se que o verbete publicado está em contradição com decisão do pleno do STF, ou seja, não se pode entender como inconstitucional todo e qualquer incentivo fiscal, já que, em alguns casos, não há prejuízo econômico nos demais entes federativos e, por consequência, não existirá guerra fiscal.
Anote-se ainda que, conforme demonstram os autos do processo da PSV 69, várias entidades representativas da indústria e do comércio, assim como diversos Estados, sobretudo do Norte e Nordeste, apresentaram manifestações de apoio à aplicação da modulação dos efeitos da súmula vinculante em questão, de maneira a impedir os prováveis prejuízos econômicos e sociais decorrentes da declaração de inconstitucionalidade dos incentivos fiscais.
A proposta de súmula vinculante 69 que tramita no STF, vem com a promessa de resolver, o problema da guerra fiscal do ICMS, poderá trazer instabilidade e aumentar ainda mais a insegurança jurídica. A guerra fiscal no âmbito do ICMS é problema complexo, não será resolvida, infelizmente, com propostas simples de uma súmula vinculante.
Dentre as abordagens, a respeito das normas tributárias ao criarem incentivos com a finalidade de alavancar as ações econômicas, onde, devemos observar o federalismo fiscal em outras palavras respeitar os limites dados pela Constituição Federal, toda via a maioria dos problemas argumentados que estão acontecendo em relação ao ICMS e a Guerra Fiscal procede do aspecto constitucional, assim sendo porque foi dada aos entes federados a capacidade para nomear um imposto com aspecto nacional.
Mesmo com a precisão de acordos firmados entre órgãos públicos para os benefícios fiscais, em termos da lei complementar, assemelha haver ineficiência social de algumas regras. Devido ao elevado índice de desigualdades nas regiões nos desfechos de infraestrutura e no acesso de consumidores e também dos produtores; onde o governo central não opera de forma certa na prevenção de políticas públicas de crescimento regional; e também a ausência de disposição do Judiciário em organizar, no andamento em que se mostram respostas às discussões abrangendo a guerra fiscal.
A Constituição Federal de 1988, no diz respeito á concessão unilateral no que tange a incentivos, benefícios e também as isenções, em relação ao ICMS é proibido, assim sendo uma prática ilegal, já que viola as normas constitucionais em relação ao imposto citado acima.
Contudo, a concessão relacionada ao ICMS no que se refere á incentivos fiscais à mesma não tem validade legal sem aprovação dos convênios firmados entre os estados. O foco então deve ser voltado para uma solução harmônica que diminuam esses conflitos. Ou seja, não basta o Judiciário ordenar a inconstitucionalidade no que tange os decretos entre os estados trazendo os benefícios fiscais. Em outras palavras são apenas métodos paliativos, mas não eliminam a causa do problema mencionado.
No tópico do ICMS foram abordados um breve histórico deste tributo, conceituado a luz da Constituição Federal de 1988, demonstrando a sistemática da não cumulatividade, compensando o ICMS pagos em operações antecedentes compensando nas subsequentes.
Em se tratando da guerra fiscal nos Estados, foram explanados a respeito das delegações de competências destinadas aos entes da federação, onde cada um, tem como objetivo, aumentar a arrecadação, fazendo concessões incentivadoras para atrair investimentos para suas respectivas regiões, acirrando a competição entre os Estados pela disputa de empresas para instalem o parque fabril, oferecendo como barganha redução fiscal e financeira no recolhimento do ICMS.
Corroborando com a guerra fiscal, ao descrevermos sobre os poderes concedidos ao CONFAZ, ficou demonstrado que tal atribuição, tem causado grandes conflitos de entendimento para aprovação de incentivos ficais, pois a LC 24/75, permite esta concessão apenas se aprovado em sede de convênio por unanimidade entre os Estados para obter a legalidade recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Devido a quantidade de ações impetradas no Supremo Tribunal Federal sobre a Guerra fiscal e principalmente a exigência para aprovação de algum incentivo, ser preciso obter a unanimidade dos entes federativos, levou a Suprema Corte a propor Súmula Vinculante de nº 69 para pacificar e uniformizar este entendimento, pois em alguns julgados, já ocorreu a manifestação do Supremo no sentido de reforçar a regra ditatorial da unanimidade para se obter aprovação de algumas concessões benéficas tributárias.
Faz necessário sim, a apresentação de políticas claras, com soluções concretas, como por exemplo, não ser pecado incentivar, mas sim, fazê-lo de forma organizada, onde em cada região receberia um determinado incentivo para atrair investimento de forma regionalizada, gerando além da arrecadação do tributo o aumento do emprego e da renda, não sendo um incentivo uniforme, mas cada Estado, de acordo com o seu perfil de desenvolvimento, receberia o seu incentivo de maneira adaptada.
Diante o exposto, conclui-se que, ser imprescindível uma reforma profunda na sistemática de apuração do ICMS, com objetivo de acompanhar o desenvolvimento da economia nacional. O Brasil, terras férteis, com grandes diversidades, onde tudo que se planta dá, têm capacidade de desenvolver diversas atividades produtivas em cada canto deste País, melhorando assim a qualidade de vida do povo brasileiro.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm;
Brasil. Decreto 4.505 de 09 de abril de 1970, Dá Regulamento para a arrecadação do imposto do sello;
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Súmula 166/STJ: Tributário. ICMS. Deslocamento. Estabelecimento do mesmo contribuinte. Fato gerador não caracterizado. Dec.-lei 406/68, arts. 1º, I, §§ 2º e 6º e 6º, § 2º. CF/88, art. 155, II.
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