Julgamento do FGTS no STF tem dois votos para equiparar correção à da poupança

julgamento do fgts
Ministro Luís Roberto Barroso / Crédito:

O julgamento do FGTS no Supremo Tribunal Federal (STF) está com um placar de 2 votos a zero para entender que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço deve ter rendimentos similares aos da caderneta de poupança e não apenas a TR + 3%, conforme a legislação atual. Além disso, os efeitos da decisão não seriam retroativos e valerão a partir da publicação da ata de julgamento. Por fim, discussões sobre perdas passadas no fundo deverão ocorrer no poder Legislativo ou a partir de negociação entre entidades de trabalhadores e o Executivo.

O julgamento da ADI 5.090 iniciou-se nesta quinta-feira (20/4) com as sustentações orais e o voto do relator, Luís Roberto Barroso, que recebeu o apoio do ministro André Mendonça. O tema continuará a ser analisado pelo colegiado na sessão da próxima quinta-feira (27/4). Por enquanto, prevalece o voto de Barroso que propôs a seguinte tese: “A remuneração do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança”.

Barroso leu o seguinte resumo durante o julgamento do FGTS:

“À luz de tais argumentos, voto no sentido de: (i) julgar parcialmente procedente o pedido, a fim de interpretar conforme a Constituição os dispositivos impugnados, para declarar que a remuneração das contas do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança; (ii) estabelecer que os efeitos da presente decisão se produzirão prospectivamente, a partir da publicação da ata de julgamento; e (iii) assentar que a discussão sobre perdas passadas deve se dar em sede legislativa e/ou de negociação entre entidades de trabalhadores e o Executivo”.

Barroso rejeitou o pedido de extinção da ação em que se dá o julgamento do FGTS, o que havia sido solicitado pela Advocacia-Geral da União (AGU), por entender que as leis supervenientes que mudaram critérios de remuneração do fundo impactaram os rendimentos, mas não revogaram as leis anteriores e deram discricionariedade sobre a distribuição dos lucros de acordo com a gestão do FGTS, de forma que isso não afeta os dispositivos impugnados.

O relator lembrou que a lei de regulamentação do FGTS é quem prevê que os recursos do FGTS devem ser aplicados em habitação, saneamento básico e infraestrutura e não na Constituição. Assim, o que está no texto constitucional é o direito do FGTS como um direito do trabalhador. Por isso, em sua visão, a falta de uma uma correção adequada do valor depositado no FGTS configura um confisco à poupança do trabalhador.

“Não é legítimo impor a um grupo social (vulnerabilizado) o ônus de financiar com o seu dinheiro os projetos e políticas públicas governamentais. Há inversão de valores a partir do momento que há a desproporcionalidade”, afirmou. “Estou convencido que a remuneração não pode ser inferior à da caderneta de poupança sob pena de confisco de um direito de propriedade do trabalhador”, acrescentou.

O ministro Barroso não chegou a afastar completamente a TR como índice de correção do FGTS, mas informou que a taxa acrescida de 3% não pode ser a única forma de rendimentos do fundo, pois traz desvantagens ao trabalhador. Barroso não impôs algum índice específico por entender que a discussão sobre correção monetária não é constitucional. Mas, ao mesmo tempo, o trabalhador não pode ter prejuízo ao financiar políticas públicas. O relator lembrou a jurisprudência do STF de que não existe direito subjetivo constitucional à correção monetária genérica e universal.

Por fim, Barroso afirmou que em 2014, o STF negou a discussão por entender que a matéria era infraconstitucional, portanto, não caberia a análise ao Supremo e, depois, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), acabou firmando a tese que a TR era constitucional. Assim, por conta da segurança jurídica e para não deixar passivo ou “cadáver no armário”, ele votou para que a decisão tenha efeitos depois da publicação da ata do julgamento.

JOTA PRO Poder preparou um relatório especial para os assinantes corporativos sobre o julgamento da correção do FGTS no STF. Clique aqui para fazer o download gratuito

Sustentações orais

Os advogados do partido Solidariedade, autor da ação, argumentaram que o Supremo deve analisar a matéria sob o prisma constitucional de que o FGTS é um direito do trabalhador e que ao não ter o índice verdadeiramente corrigido para acompanhar a inflação, há usurpação do direito de propriedade, ainda mais porque o valor é usado pela Caixa para outros fins, como o financiamento de obras de infraestrutura.

“O FGTS é um direito do trabalhador e não do Estado. É um direito social, não é uma linha de crédito para fazer obra”, afirmou o advogado Saul Tourinho Leal. Tourinho também lembrou que há precedentes no Supremo sobre a inconstitucionalidade da TR para atualização de débitos trabalhistas.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu que a ação deveria ser extinta sem julgamento do mérito da questão uma vez que a ação não faria mais sentido, uma vez que as Leis 13.446/2017 e 13.932/2019, ao alterarem a forma de remuneração das contas do FGTS, trouxeram remunerações superiores às da TR e à inflação real medida pelo IPCA.

Messias afirmou ainda que o FGTS não é exclusivamente um bem pertencente ao trabalhador pois foi concebido com dupla finalidade: o de ser garantia à subsistência dos trabalhadores em caso demissão, mas também com o objetivo de fomentar políticas públicas por meio do financiamento de programas de habitação popular, de saneamento básico e de infraestrutura urbana.

“Qualquer alteração na forma de correção das contas do FGTS pode inviabilizar esta finalidade social do fundo, e que é direcionada, precipuamente, à população mais carente”, afirmou. “Para exemplificar, só em habitação, em 2021, o relatório de gestão do FGTS estimou que foram beneficiadas mais de 355 mil famílias e gerados ou mantidos cerca de 1,13 milhão de postos de empregos. De 1995 até 2022, R$ 773 bilhões foram desembolsados, dos quais R$ 718 bilhões foram direcionados para a área de habitação”, acrescentou o AGU.

De acordo com Messias, eventual substituição da forma de correção do FGTS ocasionaria a exclusão das famílias com renda bruta mensal de até R$ 4.400,00 do programa Minha Casa, Minha Vida, “já que aumentaria substancialmente o sinal para a aquisição dos imóveis e o custo das operações de mútuo”. Ainda segundo o AGU, caso o STF mude a forma de correção, financiamentos já concedidos também serão afetados. “Estamos falando num número de 5,3 milhões de contratos que deverão ser revistos a partir de uma eventual procedência da ação”.

A defensora pública da União Tatiana Melo Aragão Bianchini, terceira interessada na ação, defendeu que o brasileiro já está submetido a uma das maiores cargas tributárias do mundo e não é aceitável que o estado brasileiro pegue o dinheiro do FGTS para fazer política pública.

Já o representante da Caixa, Jailton Zanon da Silveira, ponderou que os fundistas com maior saldo são aqueles com salários maiores, portanto, corrigir o FGTS por outra taxa significa privilegiar um grupo de trabalhadores mais abastados. E, prejudicando os programas de interesse social, os trabalhadores de classes menos abastadas ficariam prejudicados.

Entenda o julgamento do FGTS no STF

O Supremo começou a julgar nesta quinta-feira (204) um tema aguardado por trabalhadores, governo federal, bancos e empresas da construção civil: a taxa a ser aplicada para a correção monetária do FGTS.

É um julgamento de grande impacto aos cofres públicos: cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU) indicam que a União poderá ter que aportar R$ 543 bilhões no FGTS se o STF mudar o índice de correção monetária sem nenhum tipo de modulação. O governo federal tem feito movimentos de bastidores para tentar convencer o Supremo a não dar ganho de causa aos empregados, por conta do impacto bilionário — se for corrigido o passado.

A preocupação do governo federal é que a mudança no índice de correção acarrete na inviabilização de projetos estratégicos como o programa Minha Casa Minha Vida pelo aumento no custo dos financiamentos. Além disso, teme-se a escassez nos recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e a possibilidade de majoração das taxas de juros de operações já contratadas junto aos agentes financeiros. Outro argumento seria o aumento no custo do empregador em relação à demissão, uma vez que a multa é calculada sobre o valor depositado.

Na quarta-feira (19/4), um dia antes do julgamento, o ministro do trabalho, Luiz Marinho, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, estiveram no gabinete de Rosa Weber para discutir a questão e defender a extinção do processo na Corte.

Por outro lado, associações de empregados e o partido Solidariedade, autor da ação, tentam convencer os ministros dos prejuízos causados aos trabalhadores. Segundo cálculos do partido seriam cerca de R$ 27 bilhões apenas em 2013 e de R$ 6,8 bilhões só nos dois primeiros meses de 2014. Além disso, o Solidariedade defende que a Corte adotou em outros casos o entendimento de que a TR não reflete o processo inflacionário brasileiro, principalmente em temas relacionados a débitos trabalhistas.

Para a agremiação, a Caixa empresta o dinheiro do trabalhador a juros mais altos do que o índice usado para corrigir o valor ao empregado dono do dinheiro, portanto, estaria usufruindo do direito de propriedade alheio.

Centrais sindicais também têm feito o trabalho de convencimento dos ministros e, às vésperas do julgamento do FGTS, enquanto Weber recebia Messias e Marinho, o relator da matéria, Luís Roberto Barroso, conversava com representantes dos trabalhadores em seu gabinete. Inclusive, em nome da Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (ANABB), o ex-ministro do STF, Ayres Britto, anexou memorial aos autos defendendo a alteração no índice de correção — lembrando, sobretudo, de jurisprudências do STF que afastaram a TR como índice de correção de débitos trabalhistas.

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/stf/do-supremo/julgamento-do-fgts-no-stf-tem-dois-votos-para-equiparar-correcao-a-da-poupanca-20042023

Deixe uma resposta