Lula flertou com ‘Ministério da Economia Digital’

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O presidente Lula fala durante reunião ministerial. Crédito: Ricardo Stuckert/PR

O comando da agenda econômica digital esteve nos planos do presidente Lula desde a campanha eleitoral. Eleito, o petista deu espaço para especialistas e políticos desenharem um “Ministério da Economia Digital” durante a transição. Fontes que participaram das discussões, ouvidas pelo JOTA, disseram que a pasta concentraria a pauta de combate a fake news, a regulação de plataformas digitais e do trabalho por aplicativos, a implementação do 5G e mudanças no sistema de nuvem usado para armazenar dados públicos. Além do estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento, como foco nas startups.

Cogitou-se fundir os atuais ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o das Comunicações numa versão com mais eficiência e autonomia em relação ao tentado pelo governo Bolsonaro. O desenho da pasta foi discutido pela equipe do ex-ministro Sérgio Rezende, então coordenador do grupo de trabalho de C&T da transição, e integrantes do GT de Comunicações, sob tutela do ex-ministro Paulo Bernardo. Mas a ideia foi abandonada às vésperas da posse presidencial. Motivo? Era preciso acomodar o centrão na Esplanada para construir uma base de apoio no Congresso.

A pasta digital foi desmontada ainda no berço para ceder o Ministério das Comunicações ao União Brasil, de Juscelino Filho. Temeu-se dar poder demais a um deputado do centrão. Já o MCTI voltou a se dedicar ao mundo acadêmico, enquanto tenta fomentar políticas de inovação nas universidades e no setor privado, como mudanças na Lei do Bem (Lei 11.196/2005) para estimular investimentos na área tecnológica, proposta que a Câmara dos Deputados pode votar em breve por meio do PL 4944/2020.

A divisão do pretenso ministério digital levou a Secretaria de Políticas Digitais a ser alojada na Secretaria de Comunicação (Secom) do Palácio do Planalto. Ela seria o bunker de combate a fake news. Mas o órgão viu a emergência do 8 de janeiro lhe roubar a pauta. Os ataques às sedes dos Três Poderes na primeira semana do governo Lula 3 fizeram emergir a liderança do ministro da Justiça, Flávio Dino, com discurso pela regulação das redes sociais.

Dino empoderou a assessora especial de Direitos Digitais, Estela Aranha, e o ex-deputado Wadih Damous na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A dupla foca a punição econômica contra plataformas, como vimos no episódio das medidas contra estímulo ou exaltação de massacres em escolas.

A dispersão da agenda digital permitiu que a Advocacia-Geral da União (AGU) criasse a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, visando o “enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”, enquanto o Ministério dos Direitos Humanos criou um grupo de trabalho para definir o que é discurso de ódio.

O Ministério do Trabalho e Emprego, por sua vez, ficou com a missão de regulamentar o ofício de motoristas, entregadores e outros profissionais por meio de aplicativos. O ministro Luiz Marinho prometeu apresentar o marco regulatório no primeiro semestre. Mas após ele e sua equipe mergulharem no tema, viu-se que era complicado demais elaborar uma proposta em seis meses. A meta foi postergada para o segundo semestre, sem data exata, embora o assunto seja caro a Lula – o presidente fez discursos fortes na campanha contra empresas como iFood e Uber.

No campo das fake news, Dino e o Planalto ensaiaram o envio de uma medida provisória ao Congresso para regular as redes sociais. Esbarraram na indisposição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que defendeu o PL 2630/2020 como carro-chefe da regulamentação. Coube ao relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), costurar as demandas do governo, incluindo o pleito da Secom para criar uma autoridade reguladora. O órgão ganhou o apelido de “ministério da verdade”, conseguindo unir oposição, evangélicos e as plataformas contra o PL das Fake News.

No meio do caminho, a primeira-dama Janja da Silva exigiu a extensão dos direitos autorais e conexos para artistas da área musical e audiovisual. Já os veículos de mídia tradicionais cobraram a inclusão de remuneração a ser paga pelas plataformas pela reprodução de conteúdo jornalístico.

O projeto virou um mastodonte sem mobilidade para avançar entre os deputados. Lira, o Planalto e o Ministério da Cultura optaram, então, por fatiar a proposta colocando a parte jornalística e de direitos autorais no PL 2370/2019. Escolheu-se como relator o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA). O deputado é hábil negociador e esperava-se avanço rápido do PL dos Direitos Autorais. A pressão das plataformas e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), contudo, travaram a negociação. O tema, quiçá, será votado no segundo semestre. Assim como o PL das Fake News.

Os tropeços refletem os problemas de articulação no Congresso. Mas não apenas. Se em 2014, à revelia da fraqueza do governo Dilma Rousseff, o Marco Civil da Internet contrariou interesses e se impôs na agenda do Congresso, em 2023 a regulamentação do mundo digital está travada por resistências ideológicas e a articulação das big techs. O governo Lula demorou para entender isso e acabou enroscado nos tentáculos do centrão.

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-nivaldo-souza/lula-flertou-com-ministerio-da-economia-digital-19062023

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