Mendonça suspende processos que tratem sobre aquisição de terras por estrangeiros

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Ministro André Mendonça durante sessão plenária do STF. / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a um pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e suspendeu, nesta quarta-feira (26/4), todos os processos judiciais em trâmite no Brasil que versem sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior. A suspensão não se estende a processos administrativos e negócios jurídicos em curso. Assim, cartórios de registro de imóveis poderão continuar atuando.

A decisão monocrática deverá ser posta para referendo do colegiado, mas ainda não foi marcada uma data.

Mendonça suspendeu os processos em uma liminar proferida tanto na Ação Cível Originária (ACO) 2463 quanto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342, que tratam sobre a aquisição de terras por estrangeiros no país, bem como dos negócios de compra e venda de terras propriamente. A discussão centra-se no fato de o artigo 1º, § 1º, da Lei 5.709/1971 ter sido recepcionado ou não pela Constituição de 1988.

Para o ministro, como os julgamentos das duas ações estão paralisados por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes e, portanto, pendente de inserção do julgamento na pauta do plenário, a suspensão nacional faz-se necessária para evitar insegurança jurídica no país.

Em seu voto, Mendonça lembra que o julgamento foi interrompido após o voto do ministro Alexandre de Moraes, que divergiu do relator, Marco Aurélio – antecessor de Mendonça no STF. Marco Aurélio já tinha o apoio de Nunes Marques. Portanto, o placar estava 2 a 1.

“A simples verificação de haver dois votos contendo, ambos, sólidos fundamentos jurídicos, os quais, contudo, direcionam para resultados totalmente distintos, já me parece ser claro indicativo do quadro de insegurança jurídica que paira sobre a matéria, uma vez que, havendo duas posições juridicamente plausíveis, é grande o risco de, até que o Plenário da Suprema Corte ultime o veredito final, surgirem decisões judiciais conflitantes, em prejuízo da isonomia, já que algumas empresas terão que se submeter às condicionantes previstas na Lei nº 5.709, de 1971, enquanto outras, na mesma situação jurídica, não”, explicou Mendonça. O magistrado assumiu as ações após a aposentadoria de Marco Aurélio.

O pedido da OAB foi feito em março deste ano – não só o seu ingresso como terceiro interessado nas ações, mas também a solicitação de suspensão nacional dos processos por entender que a lei como está gera o fenômeno da estrangeirização de terras no Brasil.

“O que tem ocorrido, na prática, é que o estrangeiro interessado em adquirir propriedade rural no Brasil constitui empresa brasileira, sobre a qual possui o controle acionário, e, assim, adquire a propriedade de forma irrestrita. Foge, dessa forma, das limitações legais que lhe seriam impostas caso pretendesse realizar a compra diretamente, sem a intermediação de empresa brasileira equiparada à estrangeira”, escreveu a OAB em seu pedido.

A OAB diz que a questão diz respeito “à garantia da soberania nacional, da ordem econômica, da distribuição de terras, função social da propriedade, soberania alimentar (ao se entregar a decisão sobre o que será plantado e qual sua destinação sob o crivo de empresas estrangeiras), dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais, entre outros temas cruciais à soberania nacional e aos direitos fundamentais”.

O pedido da OAB pode ter reflexos em disputas judiciais envolvendo empresas de agronegócio – somente no ramo da celulose pode impactar a disputa entre a J&F Investimentos e Paper Excellence (PE) pelo controle da Eldorado, e a atuação da Bracell no país. A Bracell pertence ao grupo asiático Royal Golden Eagle (RGE). Inclusive, o caso J&F versus Eldorado, é um dos citados na peça apresentada pela OAB ao Supremo.

Lei de Terras

Há duas ações no STF discutindo o assunto da aquisição de terras por estrangeiros. A ADPF 342 foi ajuizada em 2015 pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), com o objetivo de que o Supremo reconheça a incompatibilidade da Lei 5.709/71, que regula a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, com a Constituição Federal. A SRB alega que a lei traz tratamento diferenciado a pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro, violando os preceitos da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação.

Já a ACO 2463 foi proposta pela União e pelo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra o estado de São Paulo, buscando anular um parecer da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os tabeliães e os oficiais de registro de observarem o previsto na lei sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

O julgamento das duas ações começou em conjunto. O relator, o ex-ministro Marco Aurélio, entendeu que a ADPF 342 é improcedente. “A norma atende à proporcionalidade em sentido estrito na medida em que não inviabiliza a aquisição de terras, mas a regula, direcionando, à liberdade econômica, restrição razoável frente à consecução de preceitos fundamentais”, escreveu o ministro.

Para ele, a terra rural ocupa “posição nuclear na condução dos assuntos econômicos tendo em conta a distribuição desigual”. E acrescentou: “A atuação estatal mostra-se promotora da paz e justiça sociais. A assim não se concluir, a liberdade absoluta à circulação de capital estrangeiro ensejaria graves reflexos do capital especulativo na questão agrária, com o aumento de latifúndios e conflitos agrários”.

Já na ACO 2463, Marco Aurélio entendeu que o parecer da corregedoria de São Paulo é nulo, uma vez que o ato foi elaborado levando em conta a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do dispositivo da lei que regulamenta a aquisição de terras, a partir de um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Tem-se a ilegalidade, uma vez que o pronunciamento sobre a não recepção ocorreu em sede de controle concreto e incidental de constitucionalidade. Apenas o Supremo, atuando no controle abstrato, com eficácia vinculante e contra todos, pode retirar do mundo jurídico a referida norma”.

O ministro Alexandre de Moraes discorda de Marco Aurélio nas duas ações. Para Moraes, o artigo 171, I, da Constituição, ao definir o conceito de empresa brasileira, não fez distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, “razão pela qual as restrições previstas no § 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971, não mais se justificariam”. Para o ministro, mesmo a alteração no dispositivo, feita em 1995, não altera o fato da lei não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988.

“Não restavam dúvidas, portanto, sobre a impossibilidade de tratamentos discriminatórios permanentes entre empresas brasileiras de capital nacional e de capital estrangeiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao menos na vigência da redação original do artigo 171”, diz Moraes.

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/stf/do-supremo/mendonca-suspende-processos-que-tratem-sobre-aquisicao-de-terras-por-estrangeiros-26042023

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