Mesmo com arbitragem, questões urgentes ainda demandam busca pelo Judiciário

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A arbitragem é um mecanismo extrajudicial de resolução de conflitos. O que significa que, por meio dela, os envolvidos conseguem escapar de alguns obstáculos praticamente inerentes ao Judiciário, como a morosidade na tramitação. Contudo, pela urgência que algumas questões demandam, recorrer à Justiça comum é a saída encontrada para agilizar medidas sem esperar pela instalação e o início do processo arbitral.

O pedido de uma medida cautelar pré-arbitral pode ser requerido em situações diversas, antes da efetiva constituição do tribunal arbitral. Isso acontece porque, para que uma arbitragem seja instalada, é necessário passar pela chamada fase pré-arbitral, que é o período para a formação do tribunal.

Geralmente, cada uma das partes envolvidas precisam indicar um árbitro e, confirmados, estes nomeiam o presidente do tribunal. Neste intervalo, podem surgir questões que precisam ser decididas de imediato aí o Judiciário é acionado. 

“Existe um problema de ordem prática: como se resolve um impasse até que o tribunal arbitral esteja constituído? A fase de confirmação dos integrantes do tribunal não é tão rápida, porque há a necessidade de revelação, em que os árbitros têm que explicitar eventuais fatos que possam denotar alguma dúvida justificada em relação à independência e à imparcialidade deles. Nesse momento, os árbitros podem até ser impugnados”, afirma Gustavo Schmidt, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

Ele ressalta que a redação original da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/ 1996) não tratava do tema, então, em 2015, essa lacuna foi coberta. Atualmente, a legislação define que, antes de instituída a arbitragem, as partes podem recorrer ao Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. A questão é tratada nos artigos 22-A e 22-B. 

O marco legal fixa que a cautelar tem a eficácia cessada se a parte interessada não pedir a arbitragem em 30 dias – desse modo, seriam evitadas tentativas de burlar o compromisso pela alternativa extrajudicial

Mesmo antes dessa atualização legislativa, o histórico no Brasil já reforçava a possibilidade de recorrer ao Judiciário antes do início da arbitragem. Assim, segundo Schmidt, a jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendia que as partes poderiam buscar a preservação de direitos na Justiça comum.

“Até que haja a instituição da arbitragem, o que resta às partes é ir ao Judiciário para a tutela provisória de urgência, seja uma tutela cautelar para preservar a utilidade prática do procedimento arbitral, seja uma tutela antecipatória, para antecipar aquilo que vai ser pedido na arbitragem”, explica Schmidt. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida concedida pela Justiça.

Nesse sentido, segundo ele, é frequente que, mesmo após a instituição da arbitragem, ainda existam pedidos de tutela de urgência e disputas no Judiciário. Porém, a jurisdição estatal deve cessar quando o tribunal arbitral já está constituído. “O juiz não pode fazer mais nada. A partir de então, caberá ao tribunal arbitral reexaminar a tutela deferida anteriormente. Esse reexame tem que ser feito”, diz.

Segundo a presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil (CAMARB), a árbitra Flávia Bittar, a busca no Judiciário por uma medida cautelar pré-arbitral é mais comum em casos de execução de uma garantia contratual, que atua como uma espécie de indenização em eventuais descumprimentos de obrigações contratadas. 

Ela diz que a situação é mais observada em obras de engenharia. Quando a parte contratada contrata um seguro de performance da obra ou para devolução de um adiantamento, por exemplo.

“Pode ser que a contratante entenda que ela irá descumprir o contrato e já tente executar a garantia, perante uma seguradora ou um dos avalistas. A empreiteira diz que não está descumprindo as cláusulas e pede que a discussão seja levada à arbitragem, então busca o Judiciário para pedir a suspensão da execução da garantia para que não seja regulado o sinistro pela seguradora, o que seria bastante prejudicial para ela”, exemplifica.

Outro cenário comum se dá no contexto de vistorias de emergência em obras. Em construções de usinas hidrelétricas, ao desviar um rio e inundar uma área, pode ser necessária uma vistoria cautelar, por exemplo. Evidentemente, isso precisaria acontecer logo, antes da constituição do tribunal arbitral. 

“A conveniência das medidas cautelares se dá porque, muitas vezes, a parte não pode aguardar a constituição do tribunal arbitral para fazer um pedido”, pontua Flávia Bittar. Por isso, mesmo que pretenda discutir a situação por meio da arbitragem, passa antes pelo Judiciário. 

Árbitro de emergência

Porém, pode ser problemático que a solução extrajudicial deixe lacunas que demandem a ida ao Judiciário, quando o objetivo seria justamente fazer outro caminho. Nessa toada, ganham força, nos últimos anos, alternativas ao modelo inscrito na Lei de Arbitragem. Entre elas, há a figura do árbitro de emergência.

Em linhas gerais, trata-se da possibilidade de qualquer interessado, antes de instituída a arbitragem, pedir à câmara de arbitragem para nomear, em regime de urgência, um árbitro apenas para apreciar a chamada tutela de urgência. Nesse caso, a própria câmara faz a nomeação. 

O procedimento precisa estar previsto na convenção de arbitragem, que deve remeter a um regulamento que estabeleça previamente o rito ou então a própria cláusula compromissória assinada entre as partes deve estabelecer taxativamente a escolha pelo modelo de árbitro de emergência.

Também é um requisito que os entes tenham optado pela chamada arbitragem institucional, conduzida por meio das câmaras arbitrais e que é a mais comumente acionada, já que é a própria câmara que nomeará o árbitro de emergência.

Algumas câmeras proeminentes já adotam esse modelo. É o caso da Corte Arbitral da  Câmara de Comércio Internacional (CCI), uma das principais referências do mundo em arbitragem. No Brasil, o CBMA adota para os casos de conflitos esportivos; recentemente, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) também introduziu a figura no regulamento, por exemplo. 

“É um modelo pensado exatamente para equacionar o problema de optar pela arbitragem, mas acabar no Judiciário. O árbitro de emergência permite que você tenha a solução extrajudicial o tempo todo, mesmo se uma situação de urgência surgir”, diz Schmidt, do CBMA. 

Mesmo como uma alternativa no âmbito da própria arbitragem, o mecanismo pode levar mais tempo do que o Judiciário para oferecer uma decisão, além de custar mais caro. 

“No Judiciário, o magistrado pode decidir sob urgência sem ouvir a parte contrária. As decisões costumam ser mais rápidas do que as decisões do árbitro de emergência, que vai, certamente, ouvir a parte contrária e tem um prazo de cerca de 15 dias para decidir, dependendo do regulamento da instituição arbitral. Já no Judiciário, às vezes em até 48 horas se consegue uma liminar”, compara Bittar, da CAMARB. 

Por outro lado, os prazos mais longos e os custos mais elevados podem ser relevados com a contrapartida de haver maior especialização dos árbitros no tipo de causa envolvida. “O que as partes às vezes levam em consideração ao preferir o árbitro de emergência é que haveria uma análise mais aprofundada do caso. O juiz normalmente analisa mais superficialmente”, explica. 

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-investimento/mesmo-com-arbitragem-questoes-urgentes-ainda-demandam-busca-pelo-judiciario-27022023

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