União Brasil pede que STF defina critérios sobre dever de revelação do árbitro

Fachada do STF iluminada para o Outubro Rosa / Crédito: Fellipe Sampaio /SCO/STF

O partido União Brasil ingressou, na última quarta-feira (22/3), com uma ação para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare quais são os critérios constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros previsto na Lei de Arbitragem e afaste interpretações que fujam a esse entendimento.

O dever de revelação é descrito no artigo 14 da lei e estabelece que uma pessoa, para atuar como árbitra, deve divulgar o que representar uma dúvida justificável quanto à sua imparcialidade e independência — um mecanismo presente também nas principais legislações estrangeiras.

Mas, segundo o partido, pessoas indicadas para serem árbitros “têm constantemente tentado mudar o escopo do dever de revelar, como se possível fosse, deixando de revelar fatos importantíssimos às partes”, porque, “quanto menos tiver de revelar, mais arbitragens podem pegar, recebendo cifras cada vez mais milionárias”.

“É dizer: na arbitragem tem havido uma perigosa promiscuidade entre a figura do árbitro e do advogado da parte.”

O Judiciário, a quem, segundo o partido, caberia corrigir irregularidades ocorridas no processo arbitral, por sua vez, não tem conseguido harmonizar a jurisprudência acerca dos critérios que deveriam balizar o dever de revelação, bem como sua correta interpretação e aplicação aos casos concretos.

Para o União Brasil, a Justiça tem tido dificuldade de definir apropriadamente pontos como:

  1. a extensão e profundidade do conceito do “dever de revelar”;
  2. escopo e definição de “dúvida justificada” e sua perspectiva,
  3. a não taxatividade das regras do CPC de suspeição e impedimento (de juízes) para o exame da adequação dos árbitros indicados ao ordenamento jurídico brasileiro;
  4. a não aplicação automática das assim chamadas soft laws;
  5. o momento adequado para suscitar-se o impedimento e a suspeição.

De acordo com a sigla, as instâncias inferiores discordam sobre a quem compete o dever de revelação na arbitragem, se é exclusivo do árbitro, que deve divulgar tudo, ou se é compartilhado com a parte, que precisaria realizar uma pesquisa sobre o julgador.

Discordâncias como essa são mencionadas para cada um dos itens. “O que se verifica, em concreto, é um verdadeiro caos hermenêutico. Não há uniformização jurisprudencial dos tribunais brasileiros acerca do dever de revelar do árbitro, o que ameaça a segurança jurídica,” conclui a legenda.

Para ela, a situação pede uma intervenção do Supremo para sanar lesões aos preceitos fundamentais do devido processo legal, do juiz natural e da segurança jurídica, de modo a fixar um entendimento, em abstrato e com eficácia vinculante, sobre os contornos da aplicação do instituto.

O partido também requer a declaração de que decisões judiciais de instâncias inferiores que vão na contramão da interpretação constitucional que prevalecer no Tribunal violam os preceitos fundamentais e devem ter seus efeitos cessados.

A matéria é objeto da ADPF 1050, distribuída ao ministro Alexandre de Moraes, que adotou o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999. O ministro afirmou ser “questionável” o cabimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e a conheceu como uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

Leia a íntegra da petição inicial.

Reação da comunidade arbitral

O dever de revelação é um tema caro à comunidade arbitral, que recebeu mal a propositura da ação pelo União Brasil. Para especialistas, o instituto da arbitragem funciona no país, de modo que é referência no mundo, e o processo no STF está vinculado a interesses escusos.

“É curioso ver que infelizmente esse tema voltou,” disse Fabiane Verçosa, sócia do Verçosa Advocacia e professora na FGV Direito Rio, ao lembrar do projeto de lei, debatido no ano passado, que previa mudanças na atuação de árbitros.

A proposta estabelecia um limite máximo de 10 processos nos quais um árbitro poderia atuar e alterava o critério do dever de revelação. Em vez de “dúvida justificável”, o parâmetro seria a “dúvida mínima”. O PL ficou paralisado depois de uma mobilização contrária feita por entidades e profissionais da arbitragem.

Sob a ótica de Fabiane Verçosa, a ação no STF se resume a uma “aventura jurídica”, uma tentativa via Judiciário para se conseguir o que não vingou no Congresso. O problema, para ela, é estabelecer “algo preto no branco” sobre “coisas que acontecem no caso concreto”.

“Existe todo um processo de revelação, aceitação, impugnação. Se você estabelecer regras mais rígidas via STF, que nem pelo Legislativo deveriam ser estabelecidas, certamente é excluída a possibilidade de as partes escolherem os árbitros, o que afasta a liberdade que é tão cara a quem escolhe a arbitragem.”

Silvia Pachikoski, sócia do L.O. Baptista Advogados, alerta que, caso isso aconteça, deve haver uma migração das arbitragens para fora do Brasil. Câmaras em Paris, Londres ou Nova York teriam preferência porque o Brasil passaria a não estar em linha com o que se pratica no mundo.

A advogada disse que a ação “usa uma pincelada de palavras e um jogo de parágrafos para justificar uma suposta dissonância que não existe. A parte tem o direito e o dever de investigar, o árbitro tem o dever de revelar e o sistema segue rígido e coerente com aquilo que a Lei de Arbitragem propôs”.

Sócio fundador de FKG Advogados, especializado em contencioso e arbitragem, Carlos Forbes afirmou que a ação gera precisamente o que se propõe a mitigar, instabilidade. Para ele, a regulação do dever de revelar da maneira como é colocada gera uma insegurança no mercado jurídico porque impacta contratos das mais diversas áreas.

“A existência da ação já causa uma preocupação de todos os players de mercado, não só dos meios jurídicos, mas dos meios econômicos, de que há um ataque à arbitragem como um instituto para a solução de controvérsia,” declarou.

“O Brasil é um local cheio de mistérios jurídicos. Engraçado. Quando não se consegue a aprovação de um projeto de lei, para mudar o que não precisa ser mudado, inventa-se uma ADPF. ADPF essa que virou ação direta de inconstitucionalidade contra um artigo que desde 1996 funciona. Vai entender,” resumiu.

Fonte: JOTA Info
https://www.jota.info/stf/do-supremo/uniao-brasil-pede-que-stf-defina-criterios-sobre-dever-de-revelacao-do-arbitro-30032023

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